Para enfrentar a emergência global de saúde pública causada
pela Covid-19, cientistas e médicos se mobilizaram com velocidade sem
precedentes para testar medicamentos contra a doença. A maioria desses
testes envolve fármacos que já são empregados para tratar outras
enfermidades, em parte porque o conhecimento acerca da dosagem e da
segurança dessas substâncias já é relativamente sólido.
Por causa dessa base anterior de dados sobre tais medicamentos,
diversas análises já estão sendo feitas diretamente a partir da resposta
de pacientes humanos às terapias.
Por ora, entretanto, muitos desses testes ainda estão sendo
realizados com grupos pequenos de pessoas, o que diminui a
confiabilidade estatística dos resultados -efeitos aparentemente
positivos de um tratamento podem acabar não se confirmando em populações
maiores, por exemplo. Já existem esforços para ampliar o número de
participantes dos testes para centenas e mesmo milhares, coordenados
pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e outras instituições.
Algumas moléculas com potencial farmacológico que ainda não estão
disponíveis comercialmente também estão sendo testadas, inicialmente em
células cultivadas em laboratório e animais.
É importante lembrar que muitos dos estudos estão sendo divulgados
primeiro em depositórios online de artigos científicos, sem a chamada
revisão por pares, na qual cientistas da mesma área que os autores de um
estudo avaliam os dados antes da publicação.
O processo de revisão por pares também está acontecendo, além disso,
em ritmo acelerado, para dar conta do desafio representado pela
Covid-19. Tudo isso dificulta a avaliação da qualidade das pesquisas no
momento, embora facilite a disseminação das informações
Hidroxicloroquina
Testada com aparente sucesso em diversos ensaios clínicos na China e
na França, o medicamento tem a vantagem de já ser aprovado para uso em
seres humanos há décadas, sendo produzido em quantidades apreciáveis
para tratar malária e doenças autoimunes (nas quais o organismo se volta
contra si mesmo), como artrite reumatoide e lúpus. O uso indiscriminado
contra a Covid-19 também traz a preocupação de que o medicamento acabe
faltando para pessoas com essas doenças.
Já se sabe que a substância é capaz de modular o sistema de defesa do
organismo, o que poderia ajudar o organismo a combater o vírus sem
reagir a ele de maneira desmedida, o que também pode ser um problema.
Também há indícios de que ela dificultaria a entrada do vírus nas
células humanas.
Em alguns testes, a hidroxicloroquina foi usada em combinação com o
antibiótico azitromicina, que ajudaria a impedir que bactérias já
presentes no organismo se aproveitassem da debilidade causada pelo vírus
para agravar a pneumonia sofrida pelo paciente.
Alguns testes, porém, não mostraram grandes benefícios do uso se
comparado ao tratamento padrão ou com medicamentos antivirais,
dependendo do estágio da doença em que o remédio é administrado.
Efeitos colaterais e contraindicações: pacientes com problemas de
coração, psoríase e diabetes devem ter cuidado com o uso. Os efeitos
colaterais podem incluir náuseas, diarreia, vômitos e dores de cabeça.
Também pode afetar a retina com o uso crônico (de longo prazo).
Lopinavir e ritonavir (com e sem interferon beta-1a)
Esses medicamentos antivirais já são usados de modo combinado contra o
HIV, causador da Aids. Ambos fazem parte da classe dos chamados
inibidores de protease. Ou seja, eles atrapalham a ação de moléculas
virais cuja função é "fatiar" proteínas das células infectadas, de modo
que o vírus consiga utilizá-las para seu próprio benefício (daí o nome
"protease").
O lopinavir e o ritonavir foram incluídos num grande teste clínico
internacional sob os auspícios da OMS. Testes em pequena escala ainda
não chegaram a revelar resultados animadores. Efeitos colaterais e
contraindicações: em pacientes que carregam o HIV, podem causar
diarreia, vômito e dores de cabeça. Há casos bem mais raros de problemas
no pâncreas e no fígado.
Na mesma bateria de testes clínicos, a combinação de antivirais está
sendo ministrada junto com o interferon beta-1a, medicamento que modula
processos inflamatórios e é usado para tratar esclerose múltipla.
Efeitos colaterais e contraindicações: reações na pele quando injetado, dores musculares e de cabeça, fadiga.
Remdesivir
Ainda não aprovada para emprego em grande escala mundo afora, a droga
antiviral, desenvolvida por um laboratório americano, chegou a ser
testada contra o Ebola e contra uma série de vírus emergentes menos
conhecidos, os quais possuem material genético formado por uma fita
simples de RNA (molécula "prima" do DNA), assim como o Sars-CoV-2.
Contra o Ebola, o remédio se mostrou seguro para o uso em humanos,
embora menos eficaz que o uso de anticorpos. O remdesivir é um análogo
de nucleotídeo, ou seja, possui características bioquímicas similares às
"letras" de RNA (que são nucleotídeos propriamente ditos). Assim,
diante da droga, o vírus que está copiando seu material genético acaba
inserindo as moléculas da droga no meio do processo por engano. O
processo acaba parando, e o vírus deixa de se reproduzir. A droga também
foi incluída no grande teste clínico da OMS.
Efeitos colaterais e contraindicações: náusea, vômito, possíveis
efeitos sobre o fígado. Mulheres grávidas não devem tomar o medicamento.
Favipiravir
Desenvolvido no Japão, onde leva o nome comercial de Avigan, o
medicamento também interfere na multiplicação da cadeia de RNA que
funciona como o genoma de muitos vírus. Foi criado originalmente para
combater o vírus da gripe. Testes com algumas dezenas de pacientes na
China indicam que ele teria ajudado a encurtar o tempo de manifestação
de sintomas como tosse e febre, embora não tenha ajudado os doentes em
estado mais graves.
Efeitos colaterais e contraindicações: mulheres grávidas não devem usar o remédio por causa de possíveis deformidades em fetos.
Anticoagulantes
Os casos mais graves da Covid-19 podem incluir o aparecimento de
problemas na coagulação do sangue, com o aparecimento de coágulos dentro
dos vasos sanguíneos. Para impedir isso, os médicos têm usado
medicamentos como o anticoagulante fondaparinux ou, nos casos em que o
paciente não pode receber esses remédios, aparelhos de compressão
pneumática que têm efeito parecido por via mecânica.
EIDD-1931
Ainda não empregado comercialmente, o fármaco designado por essa
sigla foi testado por pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte
em culturas de células das vias respiratórias humanas e em camundongos,
mostrando ser capaz de inibir a ação do Sars-CoV-2 e de dois outros
coronavírus, os causadores da Sars e da Mers (ambas doenças
respiratórias graves).
A molécula atua causando erros no processo de cópia do material
genético dos diferentes coronavírus, impedindo a replicação
(multiplicação) deles. Uma de suas vantagens é poder ser administrada
por via oral.
Efeitos colaterais e contraindicações: não houve efeitos negativos
para o material genético das células humanas e dos camundongos, mas
ainda não é possível dizer se haveria problemas no organismo humano.
Anticorpos contra o Sars-CoV-2
A ideia é transferir anticorpos -moléculas produzidas pelo organismo
com a função específica de neutralizar um invasor- do sangue de pessoas
que já se recuperaram da Covid-19 para o organismo de quem ainda está
com a doença.
O procedimento está sendo realizado em diversos países, como os EUA e
o Brasil. O problema é que, nas condições atuais, não é possível
realizá-lo em larga escala, já que apenas poucos doentes poderiam se
beneficiar do plasma (parte líquida do sangue) com anticorpos de cada
doador.
Por isso, pesquisadores de instituições como a Universidade
Rockefeller, em Nova York, planejam usar técnicas de biotecnologia para
produzir os anticorpos em grande quantidade, processo que deve demorar
vários meses até ser aperfeiçoado.
Efeitos colaterais e contraindicações: é preciso cuidado para que a
doação de plasma com anticorpos não transfira outras doenças dos
doadores para os pacientes.
Regulação de interleucinas
A família das interleucinas, que inclui dezenas de moléculas
produzidas naturalmente pelo organismo humano, são importantes em
diversos processos de sinalização e coordenação do sistema de defesa do
organismo, como a inflamação. Acontece que, nos casos mais graves da
Covid-19, o que parece estar acontecendo é um estímulo excessivo à ação
das interleucinas e outras sinalizadoras do sistema imunológico,
processo que acaba danificando severamente os pulmões dos doentes e
levando-os à morte. A reação descontrolada do organismo ao vírus parece
ser o grande problema.
Para tratar esses doentes mais graves, testes clínicos em países como
a China e a Suíça estão usando anticorpos que bloqueiam as
interleucinas, como o tocilizumabe, projetado para diminuir a ação da
interleucina-6. Em pessoas com doenças autoimunes, como artrite
reumatoide, vários remédios similares já são utilizados.
Efeitos colaterais e contraindicações: é preciso ter cuidado para achar
um ponto de equilíbrio entre moderar a ação do sistema imune e, ao mesmo
tempo, não impedir que ele combata o vírus.
Ciclesonida
Pertencente à classe dos glicocorticoides e usado para tratar, por
exemplo, asma e os sintomas da rinite alérgica, o medicamento está sendo
testado no Japão por pessoas que foram infectadas pelo Sars-CoV-2 mas
ainda não manifestaram sintomas. Os resultados do teste ainda não foram
divulgados.
Efeitos colaterais e contraindicações: dor de cabeça e sangramento no nariz.
Teste automatizado de medicamentos
Para tentar alargar ao máximo as possibilidades de usar remédios já
aprovados comercialmente contra o Sars-CoV-2, um caminho é empregar
plataformas de testes automatizados de moléculas in vitro (ou seja, em
tubo de ensaio) contra o vírus. Uma dessas iniciativas está sendo tocada
por pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, em
parceria com a Eurofarma.
O sistema, segundo a equipe, será capaz de testar milhares de
diferentes compostos por semana. Uma vez que medicamentos com ação
promissora forem identificados, será possível continuar o processo de
testes em animais e seres humanos. Um trabalho parecido está sendo
realizado por pesquisadores do CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em
Energia e Materiais), órgão federal localizado em Campinas.
Drogas antiparasitas
Testes in vitro e simulações computacionais também revelaram algum
potencial anticoronavírus no caso de drogas que já são usadas há décadas
contra piolhos, vermes intestinais (lombrigas, solitárias etc.),
protozoários e outros parasitas. A lista inclui fármacos como a
ivermectina, a nitazoxanida e a niclosamida.
O problema desses medicamentos, além da grande quantidade de efeitos
colaterais, é a aparente falta de uma ação suficientemente específica
contra o coronavírus, o que inviabilizaria o uso clínico em larga
escala.
Óxido nítrico inalatório
Essa pequena molécula, importante na regulação da largura dos vasos
sanguíneos, é importante para o mecanismo de funcionamento do Viagra e
será testada nos EUA, na forma inalável, na tentativa de ajudar
pacientes com formas leves e moderadas de Covid-19. Espera-se que ele
ajude a minimizar a falta de ar causada pela doença.
Efeitos colaterais e contraindicações: não há problemas
significativos, desde que a concentração do gás no inalador seja bem
regulada.
Fonte: Folhapress